
Frivolidades brincantes: aquendando os Reisados aos pés do Padre Cícero em Juazeiro do Norte-CE
Ribamar José de Oliveira Junior (UFRJ)

Como construir um corpo que brinca? Como brincar com o corpo que se constrói? Há seis anos estou acompanhando as performances de brincantes LGBQTQIA+ nos Reisados na cultura popular de Juazeiro do Norte, terra do Padre Cícero, interior do Ceará.
Foto 1 – Emilly busca o traje
A pesquisa iniciou em 2016 com uma monografia na graduação em Comunicação Social - Jornalismo na Universidade federal do Cariri (UFCA) a partir do estudo de caso da brincante Francisca da Silva, mais conhecida como Tica, que ocupou pela primeira vez o figural de Rainha no Reisado do Mestre Dedé no bairro Frei Damião. Diante dos encontros com Tica, segui me afetando por essas performances e no mestrado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) cheguei ao bairro João Cabral, localidade que possui a maior quantidade de brincantes travestis, transexuais, transgêneras, drag queens, bichas, sapatonas e bissexuais no município.
No sentido de ampliar os horizontes em torno da própria produção performativa da tradição, sobretudo, a partir da sua reinvenção em torno das estéticas do artifício e da frivolidade da brincadeira, inicio no doutorado em Comunicação e Cultura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) o tracejar cartográfico em torno das performances de brincantes dissidentes sexuais e de gênero nos Reisados do Ceará, percorrendo as 14 cidades que possuem o registro da manifestação religiosa e cultural do teatro de Reis e visando encontros por outras localidades diante das afetações em campo

Foto 2: Manul mede o traje de Emilly
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Foto 3 – Emilly se maquia

Desses encontros, tenho pensado em uma “sensibilidade-brincante” através da experiência sensível na brincadeira. No meio de cada performance, vejo um corpo que reluz pelo artifício, no que há antes da construção da performance e depois da encenação da performance. A partir da noção de teatro como encantamento, diante da forma como essas brincantes se encantam para incorporar um tempo lúdico e se desencantam para retornar ao cotidiano, me interessa o frívolo do rito e a máscara da brincadeira.
Foto 4 – Emilly segura espadas.
Entre as passagens do corpo pelas ruas e as frestas do desejo na devoção, faço desses momentos uma abertura para pensar na tradição pela esquiva do ideal de cabra macho, ainda muito cristalizado em torno do que seria tradicional e no repasse dessa herança de pai para filho. Nesses registros de 6 fotos, procuro mostrar o repasse da tradição através de corpos travestis que se montam para a devoção ao Padre Cícero no cortejo de Reis em Juazeiro do Norte, no dia 21 de dezembro de 2021, principal trajeto do ciclo natalino.

Foto 5 – Manul ergue uma coroa.
Durante os preparativos deste dia, produzo-me com as brincantes Emilly e Manul do Guerreiro Beija-flor da Mestra Mellysa Giselly, mais conhecida como Pinto no bairro João Cabral. Nesses registros, trago os contornos desse encantamento por um encantravamento, no momento em que Manul como brincante mais velha prepara o traje de Emilly como brincante mais jovem. Ao escutar uma das falas de Emilly penso que não faz sentido questionar como se constrói o corpo que brinca ou como brincar com o corpo que se constrói, pois tudo flui.

Foto 6 – Mestra Mellysa apitou, Reisado formou. Da esquerda para a direita, Juh (irmã de Manul, Pinto, Manul e Emilly).
Ao fechar o zíper da saia de Emilly, Manul pergunta se ela vai não “aquendar” para a performance e Emilly responde: “se Pinto não aquenda, eu vou aquendar?”. É por meio dessa pergunta que a brincante devolve que faço deste ensaio fotográfico uma abertura para imaginar a tradição pelas fabulações transviadas dos corpos que devotam e fazem da performance um outro modo de estar junto.
Através de uma sequência, essas fotografias estão longe de captar o encantamento da cena brincante, mas trazem lampejos para pensar a tessitura de um Reisado por vir.