Tecendo a vida em preto e branco
Vinícius Venancio(UnB)
Todos os dias, Beto de Brito, acorda cedo, cuida dos seus animais e logo se dirige ao andar superior da sua casa para dar início à tecelagem do panu di terra. Em Santiago, Cabo Verde, Beto de Brito é reconhecido como um dos maiores nomes no ofício do panu di terra.
Imagem 1: É necessário um conjunto de 200 fios para entrelaçar o panu di terra em seu comprimento, sendo 150 pretos e 50 brancos, que são trocados conforme vão acabando.
Imagem 2: As habilidosas mãos de Beto amarram pacientemente os carreteis que estão por acabar aos novos, dando um caráter quase infinito ao longo fio condutor do tear.
Em Santiago, Cabo Verde, Beto de Brito é reconhecido como um dos maiores nomes no ofício do panu di terra. Em meio a um ambiente de concentração total, ouve-se apenas o som do tear imbrincado ao do seu rádio, que atualiza os ouvintes com as notícias mais recentes de Cabo Verde e do mundo, assim como embala o trançar dos fios com músicas que vêm todo o Atlântico.
Imagem 3: O olhar cuidadoso de Beto procura por carreteis vazios e fios embolados, a fim de facilitar a fluidez da tecelagem.
Se Beto aprendeu o ofício com um vizinho ainda muito jovem, é de se pontuar que o panu di terra é uma das mais antigas expressões da cultura material cabo verdiana, chegando ao país praticamente junto com os escravizados que para lá foram levados forçadamente para trabalhar no cultivo das monoculturas de algodão.
Imagem 4: Beto produz em uma roca uma linha mais espessa, feita da junção de três a cinco linhas mais grossas que a demais, que dançará entre os fios do tear.
Nesse momento histórico, o panu di terra era utilizado como moeda no comércio realizado na costa da Guiné. Composto originalmente por 6 bandas, o panu di terra também tinha seus usos ritual, sendo dado de presente pelo marido à sua esposa quando ela tinha um fidju matxu (filho homem), especialmente o primeiro, mostrando que aquela era uma mulher plena.
Imagem 5: Num zigue-zague intenso, Beto faz a lançadeira, objeto côncavo de madeira, entrecruzar os fios em diferentes posições.
De lá para cá, algumas coisas permaneceram como eram no processo de produção e consumo do panu di terra, ao mesmo tempo que outras tantas foram alteradas. Além do preto e branco, novas cores foram inseridas, a largura reduziu, novos usos surgiram.
Imagem 6: O liço di desenho são as peças responsáveis pela matemática própria aos artesãos que fazem o panu di terra. Cada mínimo movimento neles resultará em um padrão diferente.
Os fios de algodão, cuja matéria-prima era plantada, colhida e tecida manualmente, hoje são importados. Mas, entre passado e presente, Beto nos apresenta nas imagens que seguem um continuum: os tecelões, na maioria das vezes, seguem tecendo a vida em preto e branco.
Imagem 7: De pouco a pouco, o panu vai ganhando coesão, forma e imagem.
Imagem 8: A produção do panu di terra é como o ciclo da vida: cada fim traça os fios para um novo começo.