No círculo das afluências: inscrições no olhar sobre os lagos Badajós e Piorini
Priscilla Oliveira de Souza(UFAM)
Os lagos Badajós e Piorini estão localizados no município de Codajás, mesorregião do Centro Amazonense e na microrregião do rio Coari, à margem esquerda do rio Solimões partindo-se da cidade de Manaus, estado Amazonas. A pesquisa na área de estudo trata da produção, transmissão e dos processos de negociações de saberes coletivos a respeito dos referidos lagos amazônicos.
Hoje, no lago de Badajós, há um silêncio comprido, que começa nos corações, e um silêncio de imensidade, que acaba nos astros. Badajós compactua com outros círculos hidrográficos que têm fama de grandeza: Coari, Peorini, Mamiá, Anamã, Acará... (BASTOS, 1929)
A chegada da pescaria é consolidada com a divisão e a venda do pescado. O resultado dessas atividades de trabalho, se não são destinados a fins de consumo familiar, constituem-se em negociações com barcos que adentram o lago para comercializar, com os moradores do Povoado e de outras comunidades também. São compradores do pescado, da banana, da farinha, do açaí e da castanha que, em períodos específicos, movimentam a rede de negociações entre compradores de fora dos mercados e feiras das cidades de Codajás e Manaus, e moradores do Povoado.
Objetivou-se fazer uma leitura cruzada das expressões narrativas coletadas em campo com uma abordagem capaz de englobar as dimensões histórico-sociais, buscando compreender como se processam as percepções dos moradores sobre abundância em relação ao aspectos naturais.
A gente passa ás vezes uma madrugada toda pescando e se não vai todo mundo, pelo menos a maioria vai, ás vezes passa dias...a gente entra por esses lagos daí...monta barraco, forra o teto só pra passar a noite, vai os filhos, sobrinhos, coloca malhadeira, espera, passa frio e até fome, todo mundo...é uma aventura porque a gente não sabe o que vai acontecer (Diário de campo, outubro/ 2007: relato de Ivanete, 42 anos, moradora do Povoado de Badajós)
No círculo das afluências: inscrições no olhar sobre os lagos Badajós e Piorini é o conjunto de oito fotografias elaboradas pela pesquisadora Priscilla Souza e editadas pelo fotógrafo Marcelo Ismar Santana. Um trabalho colaborativo fundamentado nas vivências do trabalho de campo.
O momento da raspagem da mandioca para a produção da farinha a ser consumida e comercializada, envolve a família, parceiros, parentes e amigos que completam a força de trabalho. As mulheres conversam sobre fatos cotidianos do Povoado, fazem confissões sobre si, contam sobre infância e juventude, namoros, expressam opiniões sobre o comportamento dos moradores, falam sobre lembranças passadas e planos para o futuro de seus filhos e no meio dos relatos indicam quem é bom pescador no Povoado.
O contexto de realização da pesquisa na área de estudo ocorreu a partir do estabelecimento de uma rede de relações sociais baseada em conversas, entrevistas e observação participante.
Nas praias que se formam no período da seca crianças ocupam seus espaços de sociabilidade com brincadeiras em canoas, banhando-se ou brincando de fazer poço.
Só céu e água. Durante horas, dias e entre uma comunidade e outra só vemos céu e água. Chega às vezes é cansativo, mas o Piorini é muito grande. Tem que saber navegar, levar o barco... (Jeferson Dantas, trabalhador do lago Piorini).
A incursão no cotidiano de vivências e práticas sociais dos moradores da área de estudo resultou na possibilidade de realização da pesquisa junto à famílias de pescadores, junto às mulheres, jovens e crianças, visualizando saídas e chegadas de pescadores, participando de seus espaços e eventos de sociabilidade.
A proximidade, o contato e a experiência no uso, no manuseio da canoa, como meio de transporte começa muito cedo, ainda criança, com o pai, a mãe, com os dois, ou com irmãos mais velhos; nas brincadeiras de alagação na margem rasa do lago, simulando perigos de afogamento ou perda de carga e mercadorias (Diário de Campo, abril/2008).
Crianças vão aprendendo a equilibrar o corpo passar pelo banzeiro, remar, guiar motor, atar malhadeiras, tirar água da canoa, arrumar e calcular o peso da carga a ser embarcada de modo a não afundar a canoa e a se movimentar no interior das embarcações. (Diário de Campo, abril/2008).