Proposições etnográficas visuais às margens do Trombetas: do “mito da natureza intocada” às
marcas de um desenvolvimento canibal num rio amazônico
Juliana Cardoso Fidelis(Unicamp)
Em 1940, no Teatro Amazonas (Manaus-AM), Getúlio Vargas destacava a forte e dramática natureza amazônica em um discurso histórico. Assim, se projetava sobre a Amazônia a ideia de “a natureza brasileira” intocada e, portanto, um espaço imaturo e inferior, visto como estando distante da “sociedade” e do seu sonho de progresso.
Formava-se ali um discurso ligado à problemática construção social e histórica desse território como “um fora” do Brasil o qual deveria ser integrado. A região do rio Trombetas, em Oriximiná-PA, convive com a mineração industrial implementada pelo governo militar, que encontrou no caminho de suspensão, em termos teóricos e políticos, da complexidade e diversidade regional, o meio para uma
racionalizar aquele espaço a partir de uma “geografia de exceção”.
Às margens do rio, onde descendentes dos negros escravizados constituíram seus territórios, o “desenvolvimento” trouxe duas unidades de proteção ambiental, que se sobrepõem às ocupações e práticas tradicionais, uma vez que restringem e proíbem atividades essenciais à reprodução sociocultural e alimentar dos quilombolas, ao passo que a mineração subtrai a bauxita do subsolo da unidade de uso sustentável.
Ainda, há um Porto gigantesco que projeta poeira avermelhada sobre as matas, demarcando o espaço da cidade companhia. Como é possível um modelo de desenvolvimento em meio a paisagens e a povos tão múltiplos?
Por isso, este ensaio fotográfico, tomado durante um trabalho de campo (2017-2018), retrata diferentes, mas conviventes, enfoques no Trombetas. As fotos compõem o quadro social onde quilombolas convivem há mais de 40 anos com a promessa um “desenvolvimento” inclusivo, que não aconteceu, e com as operações da segunda maior exportadora de bauxita do mundo, a Mineração Rio do Norte.